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Cuba: Biden ignora promessas de campanha e mantém as sanções que sufocam a ilha

Apesar das promessas, Biden não só não reverteu as políticas de Trump para Cuba, como criou ainda mais formas de sufocar o país caribenho.

Vista de Havana, em Cuba.

A cena de pessoas famintas revirando lixeiras e pedindo dinheiro pelas ruas costumava ser mais comum em cidades dos Estados Unidos e da Europa do que em Havana. Mas uma sequência de medidas insidiosas, primeiro de Trump, e agora de Biden, produziu uma crise humanitária em Cuba.

Enquanto observa o mundo passar todos os dias da sombra de seu alpendre no sul de Havana, Ramone Montagudo, de 72 anos, professor de história aposentado, assiste de camarote ao estrago. Até alguns anos atrás, os lixeiros esvaziavam regularmente as lixeiras azuis na esquina de sua rua, onde ele e os vizinhos despejavam o lixo doméstico. Agora, nuvens de moscas sobrevoam um mar de lixo no calor úmido. Ele observa alguns de seus vizinhos mais pobres, que até alguns anos atrás tinham o suficiente para comer, recolherem restos de comida do meio da podridão.

“Quando se trata de comida e remédios, estavamos vivendo uma situação excepcionalmente difícil”, diz Montagudo. “Esse país sempre sofreu sanções, e costumávamos dar um jeito. Mas Trump acabou com as brechas.”

Cuba sofre sanções há mais tempo do que qualquer outro país na história moderna. Mas há quase dez anos, o governo Obama relaxou as sanções sobre a ilha e restabeleceu relações diplomáticas com Havana, reconhecendo que mais de meio século empobrecendo a ilha não havia sido suficiente para derrubar o governo comunista. A recuperação econômica foi rápida. Mas nas últimas semanas do governo Trump, a Casa Branca colocou Cuba de volta na lista do Departamento de Estado de países que financiam o terrorismo, em conjunto com Irã, Síria e Coreia do Norte, por razões abertamente políticas e sem fornecer provas.

Os observadores de Cuba tinham a expectativa de que Biden restaurasse a série de conquistas de Obama. Afinal, na campanha de 2020, Biden prometeu que, como presidente, ele “reverteria as políticas fracassadas de Trump que causaram danos aos cubanos e suas famílias”.

Em vez disso, o governo Biden superou Trump e foi ainda mais longe que o governo de seu antecessor no ataque contra a indústria do turismo de Cuba, o principal motor da economia da ilha. Dois anos atrás, o Departamento de Estado de Biden proibiu os estrangeiros que visitassem Cuba de viajarem para os EUA sem visto. Com isso, pessoas do Reino Unido, da França, da Espanha e de outros 37 países descobriram que uma simples viagem de férias para Cuba poderia anular sua isenção de visto, e muitas decidiram não arriscar uma visita à ilha. Ao contrário do restante do Caribe, o turismo em Cuba não se recuperou após a pandemia. As viagens da Europa para a ilha são apenas metade do que eram antes da pandemia.

O enquadramento por terrorismo, acompanhado de mais de 200 sanções impostas à ilha desde que Obama deixou o cargo, desidratou a economia cubana ao comprometer a arrecadação do país em dificuldades. Economistas calculam que as perdas decorrentes das receitas do turismo em razão da classificação como terrorista custam ao estado centenas de milhões de dólares por ano. O custo anual combinado das sanções Trump-Biden, segundo eles, chega a bilhões de dólares anuais.

Mas o custo humano para Montagudo e milhões de pessoas como ele é incalculável. O professor aposentado foi diagnosticado com a doença de Parkinson três anos atrás. Ele consegue as receitas médicas — Cuba ainda tem uma proporção maior de médicos em relação à população do que qualquer outro país do mundo — mas não os remédios. Como todo o resto, o fornecimento acabou. “Antes, você ia à farmácia e o remédio estava lá. Agora…”, ele morde o lábio e dá de ombros.

‘Transferir a fiscalização para o setor privado’: como as sanções Trump-Biden desgastaram a economia de Cuba

O duplo golpe do endurecimento das sanções e da pandemia deu início a uma nova realidade sombria para os cubanos. Para muitos, os apagões de energia agora chegam a durar mais de 12 horas por dia. Com as prateleiras das farmácias vazias, o preço dos medicamentos no mercado paralelo saiu do alcance de boa parte da população. Sem dinheiro para consertar a infraestrutura antiga, centenas de milhares de pessoas atualmente vivem sem água encanada. O pior de tudo é que as coisas estão tão ruins há tantos anos, que as pessoas já perderam a esperança.

Ao reduzir o nível de vida das pessoas e destruir seus sonhos de um futuro melhor, as sanções Trump-Biden produziram um êxodo em massa da ilha, de proporções históricas. Nos últimos três anos, um número recorde de cubanos deixou o país. Pelos dados oficiais, 10% da população, mais de um milhão de pessoas, foi embora entre 2022 e 2023. 

Ainda assim, nem o governo Trump, nem o governo Biden impediram as empresas dos EUA de venderem para Cuba medicamentos contra a doença de Parkinson. As sanções contra Cuba, mesmo formalmente, permitem “isenções e autorizações relativas à exportação de gêneros alimentícios [e] medicamentos”. E em 2022, o Departamento do Tesouro de Biden criou as “licenças gerais” para produtos que salvam vidas em Cuba, sob o argumento de que “o fornecimento de ajuda humanitária para aliviar o sofrimento de populações vulneráveis é fundamental aos nossos valores americanos”.

Mas a guerra econômica continua sendo uma das principais armas no arsenal de política externa dos EUA, como revelou uma recente investigação pormenorizada do jornal Washington Post, e longe dos anúncios, coletivas de imprensa e manchetes, ambos os governos retornaram a uma política de mudança de regime, baseada em reduzir o fluxo de dinheiro para os cofres da ilha e aumentar o sofrimento de pessoas como Monteagudo. 

Joy Gordon, especialista em sanções na Universidade Loyola de Chicago e autora do livro Invisible War: The United States and the Iraq Sanctions (Guerra Invisível: os Estados Unidos e as Sanções ao Iraque), contou ao Drop Site News que houve uma mudança no sentido de minimizar os danos visíveis à população civil desde as sanções contra o Iraque na década de 1990, que resultaram em desnutrição e epidemias. “Há uma estratégia de tentar transferir a fiscalização para o setor privado”, explica. “As políticas dos EUA criaram condições que tornam comercialmente atraente para o setor privado se retirar completamente de certos mercados, o que resulta em prejuízos econômicos graves e generalizados, mas de uma forma que não pode ser diretamente atribuída aos decisores políticos dos EUA.”

A lei Helms-Burton é um bom exemplo. Em 2019, Trump implementou o Título III da lei, que autoriza os estadunidenses a processarem empresas que fazem negócios com Cuba, um conjunto de disposições que os presidentes anteriores haviam renunciado a colocar em prática. Navios de cruzeiro que levavam turistas americanos para Havana durante os anos do governo Obama já foram processados em centenas de milhões de dólares em um tribunal federal do estado da Flórida por atracarem no porto principal de Havana. O efeito foi demover as multinacionais de investirem na ilha.

Mas talvez o melhor exemplo de uma sanção quase invisível, mas insidiosa, seja a classificação de Cuba como “estado patrocinador do terrorismo”. Apresentada como uma ferramenta política benéfica para tornar o mundo um lugar mais seguro, não como um braço da guerra econômica, essa classificação vem contaminando a palavra “Cuba” mais do que nunca na economia mundial. Praticamente da noite para o dia, o rótulo fez com que bancos internacionais e exportadores essenciais se retirassem do mercado cubano, segundo diplomatas e empresários do país.

“Muito poucos bancos querem atuar em Cuba agora”, diz um empresário europeu que vive em Havana e concedeu a entrevista ao Drop Site News sob condição de anonimato. Ele diz que seu banco o informou de que sua conta seria fechada poucos dias após a classificação. 

A ilha já esteve antes na lista de terroristas do Departamento de Estado dos EUA, até 2015. Mas depois de sua reinclusão, em 2021, os efeitos tem sido mais intensos. Ao longo da última década, as regras de combate ao terrorismo e à lavagem de dinheiro ficaram mais rígidas. O “excesso de conformidade” também aumentou à medida que os bancos tentam se esquivar das multas bilionárias de um Departamento do Tesouro cada vez mais fortalecido.

Coagir as multinacionais a deixarem de negociar com a ilha fez com que o governo passasse a ter um grupo menor e mais arisco de fornecedores para suas importações. Coagir os bancos a deixarem de processar transações envolvendo Cuba fez com que, frequentemente, mesmo quando o governo tem o dinheiro para comprar e um fornecedor disposto a vender, simplesmente não haja forma de efetuar o pagamento.

“A execução agora foi delegada aos bancos, que foram compelidos a se auto denunciar”, conta um outro empresário ocidental que mora em Havana. Eles “não podem mais alegar que não sabem”.

Com mais riscos e menos retorno, muitos fornecedores deixaram o mercado cubano. “É um país pequeno que paga com atraso. O mercado não se importa”, diz um terceiro empresário europeu, que não vende mais equipamentos de alta tecnologia para o Ministério de Saúde Pública de Cuba. Fazer negócios com Cuba sempre foi arriscado, ele acrescentou, mas a classificação de terrorismo mudou as coisas: agora, “se houver qualquer sinal de uma conta cubana, ela será bloqueada”.

Em resposta a uma pergunta sobre por que muitas empresas de equipamentos médicos e produtos farmacêuticos deixaram de comercializar para Cuba nos últimos anos, o fundador de uma farmacêutica europeia de médio porte descreveu: “é um mercado pequeno: por que correr riscos por pouca coisa?”.

A fonte disse que já não “vale a pena” para sua empresa fornecer para o Ministério de Saúde Pública de Cuba, mas que ele continua fazendo de qualquer forma. “Como é possível olhar para isso e não se colocar no lugar deles?”, diz. O empresário deu a entrevista sob condição de anonimato, diante do receio de que a conta bancária de sua empresa possa ser fechada caso a grande instituição financeira europeia onde ela está descubra que ele fornece para Cuba. 

Tábuas de salvação esgotadas

Defensores do governo Biden alegam que os problemas econômicos de Cuba vão além das medidas punitivas. Eles estão certos. Reformas que vão e vêm, propostas ao longo das duas últimas décadas pelo Partido Comunista, que governa a ilha, não conseguiram aumentar a produtividade do setor estatal, que continua altamente centralizado e letárgico. Os salários públicos são irrisórios e estão piorando. O absenteísmo é constante. Mas apontar as múltiplas causas dos problemas econômicos da ilha não isenta as sanções.

William LeoGrande, cientista político da Universidade Americana, diz que a classificação de terrorismo representa “uma frente na guerra econômica de Washington contra Cuba”. Como resultado direto dessa classificação e de outras sanções de Trump e Biden, diz, o estado cubano atualmente perde bilhões de dólares em receitas, em um momento em que suas principais importações são alimentos e combustível. “As sanções atualmente”, acrescenta, “têm um impacto maior do que nunca sobre o povo cubano”.

Os alimentos subsidiados, uma tábua de salvação para os mais pobres, estão se esgotando. A agricultura doméstica, que sempre foi fraca, ruiu nos últimos anos por falta de sementes, fertilizantes, e petróleo, obrigando o governo a importar 100% dos produtos básicos subsidiados.

Mas não há dinheiro suficiente para fazer isso. No ano passado, o governo retirou o frango da cesta básica que a maioria dos adultos recebe. No mês passado, a ração diária de pão oferecida a todos os cubanos foi reduzida em um quarto. Até os alimentos essenciais, como arroz e feijão, agora chegam atrasados. A insegurança alimentar na ilha está crescendo, segundo um relatório recente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Grupos vulneráveis — idosos, gestantes, crianças e pessoas com doenças crônicas — são os mais atingidos pelos efeitos indiretos das políticas dos EUA.

“Quando o fornecimento de alimentos é subsidiado pelo estado, não é uma surpresa que, se o estado for à falência, a insegurança alimentar vai aumentar, especialmente para aqueles que não têm família no exterior para enviar recursos”, diz Gordon, a professora da Universidade Loyola.

Em março, os EUA tiveram um indício dos conflitos que suas políticas pretendem criar, quando centenas de pessoas foram às ruas em Santiago, no leste da ilha, denunciando as prolongadas quedas de energia e gritando: “Estamos com fome!”

A maioria dos cubanos que tenta fugir dessa miséria vai para os Estados Unidos. Mais de 100 mil já emigraram legalmente para os EUA desde janeiro de 2023, por meio do “programa de liberdade condicional humanitária” do governo Biden. Muitos outros atravessaram a fronteira ilegalmente. A Lei de Ajuste Cubano, de 1966, uma relíquia da Guerra Fria, torna Cuba o único país de onde um migrante pode chegar ilegalmente aos EUA e obter um green card, o cartão de residência permanente, um ano e um dia depois. Alguns cubanos constroem barcos frágeis, e mais de 140 cubanos já morreram este ano tentando atravesar o estreito da Flórida, segundo a Organização Internacional para as Migrações. Aqueles cujos familiares podem pagar pegam um voo para a Nicarágua antes de enfrentar a perigosa caminhada até a fronteira entre EUA e México.

Ao manter a classificação por terrorismo e outras sanções, o governo Biden alimentou essa onda recorde de migração cubana. Nos últimos três anos, mais de meio milhão de cubanos chegaram aos EUA, segundo os dados da Agência de Patrulha Aduaneira e de Fronteiras. Toda a dinâmica tem cheiro de loucura: a migração cubana recorde alimentada pelo governo Biden faz parte da “crise de fronteira” mais ampla que está favorecendo Trump à medida que a eleição se aproxima.

‘Cuba não é um país patrocinador do terrorismo’

A lista de países que patrocinam o terrorismo sempre esteve no limitar entre análise e propaganda. Não importa o quanto a ficha seja suja, os aliados dos EUA nunca entram na lista, só os adversários. 

O governo Reagan classificou Cuba como estado patrocinador do terrorismo pela primeira vez em 1982. Havana se indignou com a decisão, diante do histórico dos EUA de apoiarem ataques terroristas contra a ilha, em especial a Operação Mangusto, uma operação secreta que atingiu alvos civis em Cuba durante a década de 1960, e a ciência prévia sobre planos de exilados cubanos treinados pela CIA para explodirem uma aeronave comercial cubana em 1976, que Washington decidiu não informar a Havana, e matou 73 homens, mulheres e crianças que estavam a bordo.

Ainda assim, durante a década de 1980, Cuba apoiava lutas de libertação nacional na América Central e na África. Os combates pela liberdade de Cuba eram os terroristas de Washington, por isso a classificação pelo menos tinha por trás uma lógica de Guerra Fria. E, de fato, em certas ocasiões, alguns dos movimentos apoiados por Havana praticaram violência política contra civis — mais conhecida, dependendo da sua perspectiva política, como terrorismo. As agências de inteligência dos EUA conseguiram, assim, reunir argumentos com base em informação para justificar a inclusão na lista. Mas quando a União Soviética se desintegrou e a Guerra Fria foi chegando ao fim, Cuba entrou em profunda crise econômica interna, enquanto sua projeção de poder diminuía. Os dias de apoio às lutas de libertação no exterior ficaram para trás depois do século XX, mas a classificação por terrorismo continuou.

Segundo ex-dirigentes de inteligência e do Departamento de Estado, nas últimas três décadas a avaliação da comunidade de inteligência é que a ilha não patrocina o que até mesmo os EUA definiriam como terrorismo desde a década de 1990. Quando Obama retirou a ilha da lista, em 2015, Ben Rhodes, a pessoa do governo responsável por Cuba, publicou um tweet: “Em resumo, o presidente está removendo #Cuba dos Países Patrocinadores do Terrorismo, porque Cuba não é um País Patrocinador do Terrorismo”.

Para colocar Cuba de volta na lista, o Departamento de Estado de Trump precisava de justificativas. O órgão argumentou que Cuba estaria oferecendo refúgio a fugitivos da justiça dos EUA e a lideranças do Exército de Liberação Nacional da Colômbia, o ELN.

Os fugitivos americanos idosos são principalmente ativistas do movimento Black Power, a quem Cuba concedeu asilo nas décadas de 1970 e 1980. Eles são monitorados pela segurança do estado cubano, e não há qualquer sinal de que eles tenham usado o território cubano para realizar ou apoiar atividades terroristas.

Os comandantes do ELN, por sua vez, receberam asilo como parte das negociações que o governo Obama encorajou Cuba a receber. 

Essas negociações foram facilitadas por Cuba e pela Noruega (a Noruega de alguma forma escapou da classificação por terrorismo, apesar de seu papel). O governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o outro principal grupo guerrilheiro do país, chegaram a um acordo de paz histórico em 2016 com ajuda de Havana, mas a paz entre o estado colombiano e o ELN continuava em aberto.

Em 2019, o ELN realizou um ataque contra uma academia de polícia em Bogotá, na Colômbia, matando 22 pessoas. O governo colombiano fez diversos pedidos a Cuba para extraditar os líderes do ELN, que Cuba ignorou.

Mas em 2016 o ELN e o governo colombiano haviam assinado um protocolo secreto para garantir a segurança dos negociadores do ELN em Havana “no caso de um colapso das negociações de paz”. O documento, assinado pela delegação cubana, deixa claro que a extradição não seria uma possibilidade, e que os negociadores poderiam regressar para as áreas do território colombiano que considerassem seguras.

Além disso, o presidente colombiano, Gustavo Petro, ele mesmo um ex-guerrilheiro, retirou o pedido de extradição em 2022, e descreveu a inclusão de Cuba na lista como “uma injustiça”.

As negociações de paz entre o governo colombiano e o ELN, o último grupo guerrilheiro remanescente do país, foram retomadas no ano passado em Havana. Desde então, as duas partes anunciaram uma trégua.

Fulton Armstrong, que já foi o principal oficial de inteligência dos EUA para a América Latina, considera que, se Cuba tivesse extraditado os negociadores do ELN, teria prejudicado sua capacidade de ajudar a acabar com as sangrentas guerras da Colômbia.

“Não é questão de ser gentil com ex-guerrilheiros”, ele explica. “É uma questão de credibilidade.”

A revisão de políticas que nunca aconteceu 

Desde os primeiros meses do mandato, a equipe de Biden vem dizendo reiteradamente, tanto em público, quanto em particular para os parlamentares, que estaria realizando uma ampla revisão das políticas em relação a Cuba, incluindo a classificação por terrorismo.

Antony Blinken, secretário de Estado, disse em 2022 que o governo “continuaria, na medida do necessário, a revisitá-las para ver se Cuba continua a merecer essa classificação”.

Mas, no ano passado, foi revelado que essa afirmação era falsa. Em uma reunião privada, uma autoridade do Departamento de Estado disse em particular a parlamentares que nenhum processo de revisão havia sequer começado, segundo as fontes presentes.

A reunião, organizada pelo Dep. Jim McGoverno, do Partido Democrata de Massachussetts, com outros que se concentram na política de Cuba, foi parte de uma iniciativa para pressionar o governo a recuar em sua abordagem punitiva sobre Cuba. Mas McGovern e seus aliados no Congresso acreditavam, segundo fontes envolvidas na luta, que dar espaço de manobra ao governo Biden e reduzir a pressão sobre a Casa Branca os levaria a fazer a coisa certa. Esse cálculo se mostrou incorreto, e agora o Departamento de Estado ficou sem tempo. 

Quando oferece aos jornalistas falas monótonas sobre “processos” burocráticos, difíceis de transformar em matérias (em oposição ao discurso ágil e incendiário de uma campanha de “pressão máxima” sobre a ilha, usada pelo governo Trump), o governo Biden encerra a conversa sobre o poder da classificação.

Os jornalistas não conseguiram responsabilizar o governo. Mas mesmo com boa vontade, é difícil rastrear os efeitos específicos das sanções sobre a população: a interação entre os problemas econômicos internos de Cuba e as estratégias interligadas de estrangulamento externo da ilha torna praticamente impossível atribuir uma escassez específica a uma política específica.

Além disso, as décadas da estratégia de terceirizar a política de sanções para o setor privado também reduziram a cobertura jornalística sobre os efeitos das sanções. Os veículos de comunicação preferem as histórias individuais mais simples, que podem ser facilmente explicadas para o público, e encontrar empresas dispostas a falar sobre como e por que deixaram de fazer negócios é trabalhoso.

Para Armstrong, o ex-oficial de inteligência, a fala sobre um “processo de revisão” sempre foi falsa. Só o que se exigia no nível executivo, segundo ele, era reunir as agências de inteligência dos EUA e perguntar se existiam motivos baseados em evidências para não reverter a reinclusão de Cuba na lista dos países patrocinadores do terrorismo. “Levaria metade de um dia”, diz.

Os analistas concordam que, com vontade política, Cuba poderia ter sido retirada da lista poucas semanas após a posse de Biden, em 2021. Cerca de 80 deputados do Partido Democrata enviaram a Biden uma carta, pressionando para que fizesse exatamente isso, nas semanas que se seguira à sua posse. Mesmo que o governo realizasse uma revisão de seis meses, como alguns defendem que é exigido pela lei, a classificação poderia ter sido revertida na metade do primeiro ano de mandato de Biden. Se a Casa Branca tivesse feito isso, centenas de milhares de cubanos poderiam muito bem estar vivendo em casa com seus familiares atualmente, com melhor acesso a alimentos e medicamentos, em vez de estarem lutando para chegar à fronteira e enfrentando o intrincado sistema de imigração dos EUA.

O posicionamento do governo Biden ficou ainda mais confuso em maio, quando retirou Cuba da lista de países que não “cooperam plenamente” com os EUA nas ações de contraterrorismo. Segundo as classificações oficiais, portanto, Cuba atualmente “coopera plenamente” com as ações de contraterrorismo, ao mesmo tempo em que “patrocina” o terrorismo. Segue sem explicação a forma como o mesmo país poderia fazer as duas coisas. Em uma coletiva de imprensa, o porta-voz do Departamento de Estado, Matt Miller, respondeu que a revisão ainda não teria começado porque as políticas dos EUA tinham a intenção de promover “as aspirações democráticas do povo cubano”, uma referência ao objetivo dos EUA de derrubar o regime.

“Caso haja qualquer rescisão do status de País Patrocinador de Terrorismo, isso precisaria ser consistente com os requisitos normativos específicos para rescisão dessa classificação”, disse. “Qualquer revisão do status de Cuba na lista, caso aconteça, estaria baseado na legislação e nos critérios determinados pelo Congresso, mas o presidente e o secretário [Antony] Blinken continuam comprometidos com as políticas que promoverão as aspirações democráticas do povo cubano.”

No entanto, existem formas claras de descrever as formas e os meios das sanções. Em abril de 1960, enquanto os planejadores de Washington estavam determinado como lidar com o novo governo revolucionário, um alto funcionário do Departamento de Estado escreveu um ofício que ficou conhecido, e dá uma visão sobre as justificativas para o desenrolar da guerra econômica. “Todos os meios possíveis devem ser adotados para enfraquecer imediatamente a vida econômica de Cuba”, defendeu Lester D. Mallory, então vice-secretário assistente de estado para questões do Hemisfério Ocidental. “Embora da forma mais habilidosa e discreta possível”, acrescentava, as políticas dos EUA deveriam fazer “os maiores avanços em negar dinheiro e suprimentos a Cuba, reduzir os salários monetários e reais, causar fome, desespero e derrubada do governo”. Biden se recusou a romper com essa lógica. Em Cuba, esse é o seu legado. 

Esta reportagem foi feita em parceria com o Drop Site News, um novo projeto criado por alguns de nossos amigos do The Intercept nos EUA. Você pode ler a versão em inglês desta matéria no site deles, e não deixe de se inscrever gratuitamente na newsletter deles para receber reportagens exclusivas sobre a política dos EUA, a guerra de Israel em Gaza, assuntos internacionais e mais.

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